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segunda-feira, 5 de julho de 2021

 

Será que a História que nos ensinam se passou exactamente como nos foi contada?

 4ª Parte 

Os Esquecimentos da História:

1. Francisco de Holanda

 2º dia da Criação, da obra de Francisco de Holanda 

"De Aetatibus Mundi Imagines ou "As imagens da Criação do Mundo" 

 

 

Francisco de Holanda, humanista, escritor, arquitecto, escultor, desenhador, iluminador, pintor e muito provavelmente um hermetista, a avaliar pelos seus desenhos  em “ De Aetatibus Mundi Imagines” ou “As imagens da Criação do Mundo”, é o exemplo flagrante de personagem que esteve sempre muito à frente da sua época, um talento muito para além dos limites e que foi esquecido quer no seu país, Portugal, como no estrangeiro, até ser “redescoberto” cerca de 400 anos depois da sua morte, redescoberta essa que se deve tanto a investigadores portugueses como estrangeiros, sendo o caso de Syvie Deswarte-Rosa, investigadora da História da Arte  no Centre de Recherche Scientifique de Lyon que dedicou cerca de 40 anos à investigação da obra de Francisco de Holanda.

 

 Francisco de Holanda nasceu em pleno Renascimento a 6 de Setembro de 1517, em Lisboa. Filho de um retratista e iluminador que se julga ser proveniente dos Países Baixos, terá dado os primeiros passos da sua aprendizagem na arte pelo pela mão do pai, António de Holanda. Aos 16 anos vai viver para a corte que então se tinha mudado para Évora, tendo aí recebido uma formação com os melhores humanistas desse tempo, como André de Resende e outros humanistas, alguns deles estrangeiros que aí se encontravam.

 

Vivia-se tempos de grande abertura de espírito, de grandes transformações estruturais proporcionadas pelo Renascimento, pela corrente Humanista que então se vinha impondo, mas também pela abertura ao mundo propiciada pelos Descobrimentos dos portugueses que abriram as “portas” ao conhecimento de povos diversos, com diferentes culturas e modos de vida. Esta influência dos Descobrimentos Portugueses na cultura do mundo ocidental, não foi devidamente reconhecida internacionalmente e quem o afirma é Sylvie Deswarde-Rosa: “Não se deu o justo valor à História de Portugal... Não nos demos conta de que Portugal não estava na cauda da Europa mas à cabeça, pelo menos no domínio da Expansão Marítima e dos estudos científicos e cartográficos” in programa da RTP 2, Francisco de Holanda, a Luz esquecida do Renascimento

 

Em Janeiro de 1538, com 20 anos de idade, Francisco de Holanda parte para Roma onde entra no círculo cultural dessa cidade, tendo conhecido e contactado com Miguel Ângelo. Regressa à corte de D. João III, cerca de três depois, onde é promovida a escudeiro fidalgo. Este será o seu período áureo que declinará com a subida ao trono do rei D. Sebastião que não lhe dá o devido valor e se inicia o processo inverso ao de abertura que então se tinha vindo a realizar, para dar lugar a um período “obscurantista” onde a Inquisição lança de forma mais violenta as suas “garras” contra tudo o que não esteja de acordo com as “verdades” impostas pela igreja Católica, tendo-se então iniciado aquilo que ficou conhecido pela Contra-Reforma.

 

 

Um homem fora do seu tempo e um inovador ousado


 "De Aetatibus Mundi Imagines ou "As imagens da Criação do Mundo"

 

Francisco de Holanda foi um inovador, um ser original do qual não há paralelo no seu tempo. As suas ilustrações, como por exemplo as Imagens anteriormente referidas do livro manuscrito “De Aetatibus Mundi Imagines” as “Imagens da Criação do Mundo” são desconcertantes, estando completamente fora do seu tempo! Plenas de simbolismo, remetem-nos para o pensamento da Filosofia Hermética, profundamente animista, que eclodiu pelo séc. XV (ou ressuscitava!)  dentro de um círculo talvez mais restrito do qual faziam parte nomes como Marsillio Ficino, Giordano Bruno, entre outros.

 

Foi a primeira pessoa da sua época a tentar elevar a pintura ao nível da literatura (o “Tratado de Pintura Antiga” é a sua primeira grande obra escrita) então tida como a forma de arte intelectual por excelência, uma vez que nesse tempo tudo aquilo que implicasse trabalho manual era desvalorizado. Sendo a pintura uma arte manual esta não detinha o mesmo estatuto da literatura.

 

Os seus desenhos são de uma perfeição e minúcia ímpar. Desenha detalhadamente os monumentos que vê em Roma por exemplo, chegando ao pormenor de incluir as inscrições completas de alguns desses monumentos o que não era habitual na altura.  Ex: “Livro das Antigualhas”. Por isso quando há necessidade de proceder a restauros dos monumentos que Francisco desenhou, utiliza-se os seus desenhos para que o restauro seja tão fiel quanto possível ao original.

 

Ele também desenhou elementos detalhados da moda com a respectiva referência às zonas geográficas onde eram usados determinados costumes no que agora é a Itália.

 

Francisco de Holanda teve a ousadia de dizer aquilo que Miguel Ângelo tinha referido de uma forma muito menos directa e clara: “o artista começa por comtemplar a perfeita ideia divina”. Sendo o artista inspirado por Deus no momento da produção da sua arte, imitando a criação divina, então o artista identificava-se com uma espécie de demiurgo. Esta era com certeza uma ideia perigosa para a época, pois se o artista entrava em contacto directo com Deus sendo por Ele inspirado, então para que servia a Igreja e seus representantes, bispos, padres etc., enquanto intermediários entre Deus e os seres humanos?

 

Seria muito interessante estudar e analisar em pormenor o simbolismo dos seus desenhos da obra que referi anteriormente, “De Aetatibus Mundi Imagines”, para melhor compreendermos o seu autor em toda a sua extensão, sem os preconceitos que muitas vezes acompanham os estudiosos académicos. Ou será uma certa ignorância?

 

 A RTP 2, a única estação televisiva que não se dedica à estupidificação das massas, emitiu um excelente programa dedicado a este ilustre personagem que foi Francisco de Holanda. Para quem esteja interessado eis o link de acesso:

 https://www.rtp.pt/play/p7665/francisco-de-holanda-a-luz-esquecida-do-renascimento

 

 

2. A influência do Neo-Confucionismo no Iluminismo Europeu


 

 

  

 

Introdução ao confucionismo

 

Confúcio, como é conhecido no Ocidente, terá vivido entre 551 a.C. e 479 a. C. Não deixou nada escrito, tal como Pitágoras e Sócrates e os textos mais antigos que sobre ele se conhece, em forma de diálogos, “Conversações de Confúcio”, são muito posteriores à sua morte e escritos pelos seus discípulos ou pelos discípulos dos discípulos. Daí que falar de confucionismo não seja falar “ipsis verbis” do pensamento de Confúcio, mas sim do pensamento dos seus discípulos influenciado pelo mestre.

 

De acordo com aquilo que se sabe sobre a sua vida, Confúcio não terá formado uma escola propriamente dita, mas reuniu junto de si discípulos de todas as origens sociais que o terão acompanhado e que dele receberam ensinamentos. A Escola Confucionista surgiu posteriormente pela mão dos seus discípulos.

 

O confucionismo caracteriza-se por ser uma doutrina essencialmente Ética e, poder-se-á dizer, Política, cujo objectivo era tornar os homens moralmente superiores, ou seja, pessoas moralmente íntegras e isto estendia-se ao soberano que, de acordo com Confúcio, deveria ser o representante máximo dessa integridade para que assim o povo pudesse seguir as suas pisadas e se deixasse governar sem opor obstáculos. A rectidão por ele preconizada, a benevolência, eram algo inato no ser humano mas que deveria ser “treinada” para se almejar chegar ao “ser superior”. Era este o Dao ou Tao confuciano, que se traduz literalmente por “caminho”, ou seja, o sentido, a direcção a tomar.  

 

Confúcio foi o grande educador da China cujo objectivo era tornar a educação acessível a todos!

 

A palavra Jun-zi, que originalmente significava “filho de soberano” e posteriormente adquiriu o significado de “descendente de família nobre” torna-se para o Confúcio o Homem de Bem independentemente da classe social a que possa pertencer, ou seja o homem recto moralmente íntegro. Deste modo poder-se-á considerar a filosofia confuciana como um humanismo, sendo a sua Ética baseada essencialmente nos valores humanos como a benevolência e a rectidão, o que está muito próximo do pensamento do Iluminista Jean Jaques Rosseau (ou vice-versa!) que defendia uma educação muito próxima da natureza baseada na liberdade e na igualdade dos homens e considerava que a bondade era algo inerente ao ser humano, mas que a civilização teria deformado, ou corrompido.

 

“A ênfase de Confúcio no estudo e na aprendizagem está na origem da promoção e da meritocracia na China, que fez com que surgisse na China uma classe de letrados que se pode dizer que governou a China até aos dias de hoje. A China foi a primeira nação a nomear funcionários públicos com base no mérito.”  in “Chuang Tse”, Relógio D’Água Editores, Novembro de 2017, pág.295

 

 

O neo-confucionismo

 

  Zhu Xi

 

No séc. XII o confucionismo sofre uma renovação importante sob a influência do taoismo, doutrina anterior ao confucionismo cujo livro mais conhecido é o Tao Te King atribuído a Lao-Tsé e do Budismo Chen, mais conhecido pela designação de Budismo Zen no Japão. Assim surge o neo-confucionismo cujo principal representante Zhu Xi (1130-1200), procurou reinterpretar o confucionismo através de uma visão interpenetrada pelas correntes de pensamento citadas: o taoismo e o budismo chen.

 

“Foi este confucionismo ‘revisto e corrigido’ que foi levado ao conhecimento dos missionários jesuítas na China a partir do séc. XVI e que por intermédio deles, exerceu uma considerável influência, ainda que pouco conhecida, na Europa das Luzes. Leibniz e Wolff, na Alemanha, Quesnay, Voltaire, Montesquieu e Turgot, em França, Robert Burton e Oliver Goldsmith, em Inglaterra, interessaram-se mais ou menos de perto e de maneira mais ou menos positiva pela arte de governar no ‘Império da China’. Encontraram aí a ideia de uma educação baseada no mérito, sem distinção de categoria ou de linhagem, e tendendo para a realização do bem-estar do povo” in Conversações de Confúcio, Editorial Estampa, pág.27

 

É sabido que os missionários jesuítas que estiveram na China e também no Japão, traduziram para as línguas ocidentais muitos dos clássicos chineses para além das doutrinas neo-confucionistas. É disso exemplo o clássico chinês “I Ching, o livro das mutações”, pelo qual se interessou Leibniz que estudou este texto clássico chinês traduzido pelos missionários jesuítas, bem como a obra traduzida pelos mesmos “Confucius Sinarum Philosophus” (Confúcio Filósofo chinês).

 

Como curiosidade saliente-se o grande interesse que  Leibniz demonstrou pelo clássico chinês “I Ching, o livro das mutações”, pela sua importância para a aritmética binária (o I Ching é de facto um sistema binário que usa uma linha recta e outra interrompida no meio:  __   _ _ ).

 

 

Considerações finais


A razão pela qual se deram estes “esquecimentos” da História ocidental nomeadamente a influência de outras culturas no ocidente, como a chinesa, teve origem numa atitude impregnada de arrogância e um certo sentido de superioridade que tem caracterizado a cultura ocidental e que teve o seu apogeu na época dos grandes Impérios, o Imperialismo Europeu dos séculos XIX e XX cuja ideologia assentava sobre uma superioridade racial, nomeadamente a anglo-saxónica, que incluía a Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha e que teve o seu apogeu na ideologia Nazi. Por esta razão a influência das culturas não ocidentais na Europa ou de países menores como o caso de Portugal, eram desvalorizadas ou menosprezadas.

 

“Na Grã-Bertanha o imperialismo esteve também, de princípio, ligado a um ponto de vista ideológico que ultrapassava o simples patriotismo insular e colocava a solidariedade e a unidade da raça anglo-saxónica no mundo acima do poder do Reino Unido como Estado. (...)

 

(...)Cecil Rhodes, por exemplo, ao fazer à Universidade de Oxford a sua famosa dotação não só concedia bolsas de estudo aos ingleses do ultramar como oferecia lugares a americanos e alemães, os quais foram efectivamente atribuídos. Neste tempo, tanto em Inglaterra como fora dela, existia a convicção de que os ingleses, os norte-americanos e (pelo menos a partir de 1870) os alemães eram as “raças” superiores dos séculos XIX e XX e as nações dirigentes do futuro.”  Heinz Gollwitzer, “O Imperialismo Europeu 1880-1914”, Editorial Verbo, Lisboa, páginas 54 e 55

 

Porém estas “raças superiores” esqueceram-se de que as grandes civilizações do mundo nasceram no Mediterrâneo, no Médio Oriente, no Extremo Oriente, na América do Sul, enquanto por essa altura os seus antepassados andavam de “tanga” vivendo de forma muito primitiva. 

 

Texto original de Pimenta