Seguidores

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021


 

A insustentável impertinência do Narcisista

 

O Narcisista é uma espécie de deus vivo sobre a Terra onde apenas o próprio conta sendo os outros meros figurantes, penumbras, num jogo em que ele é o “Rei” a peça principal.

 

O Narcisista é um solitário que vive em si e para si e assim sendo torna-se numa espécie de solipsista (1). A sua experiência com a realidade que o rodeia é idêntica à de uma criança entre os três e cinco anos para a qual o centro do Universo está em si. Por isso tal como a criança que quando quer uma coisa exige “eu quero!” e por mais que lhe seja explicado isso não ser possível, a criança manterá firme a sua vontade acrescentando apenas um “mas” eu quero! recusando-se aceitar um não como resposta, também o Narcisista recusa o não como resposta.

 

Este é o retrato do Narcisista em sentido abstrato, mas ele existe na realidade em vários “tamanhos”, nas várias classes sociais e até como entidade colectiva: um grupo, tribo ou Nação. É como uma doença que contaminou o ser humano, podendo afectar em maior ou menor grau, transmitindo-se de geração em geração sem fim à vista e pior ainda, sem o devido reconhecimento, o que não é de admirar pois o Narcisista nunca se reconhece enquanto tal.

 

Em resumo, sendo o Narcisismo uma espécie de “doença”, qualquer indivíduo está sujeito a ser “contaminado”, seja um pobre ou um rico, o explorado ou o explorador, pois o narcisista pobre deseja igualmente ser rico não olhando a meios para atingir o seu objectivo e o narcisista explorado uma vez na posição inversa de explorador não se fará rogado. E a História tem-nos mostrado tantas vezes este retrato ao longo dos tempos.

 

O Narcisista pode ser o merceeiro manhoso que adultera as contas do cliente relativamente aos preços afixados para assim obter um lucro ilícito, ou o politiqueiro igualmente manhoso que em vez de servir a Nação  dela se serve em benefício próprio colhendo vantagens tanto económicas como sociais e assim poder subir na hierarquia, ou o artista cujo ego aumenta na mesma proporção em que é aplaudido e diminui na mesma proporção em que as palmas se “esbatem”, ou o filósofo erudito que escreve textos e tratados que só o próprio entende, ou apenas uma pequeníssima minoria e mesmo assim consegue obter reconhecimento público. E a lista seria tão extensa que daria quase um tratado!

 

O Narcisismo passa do indivíduo ao grupo familiar e deste à tribo até chegar às Nações. E assim surgem as conquistas, as guerras, as matanças, que se justificam com as mais estupidificantes teorias “filosóficas”(2), pois o conquistador Narcisista, tal como a criança, afirma “eu quero” e tudo fará para obter o que deseja não se inibindo de produzir sofrimento no outro, por vezes numa matança elevada à glorificação em que o outro que se lhe opõe, a personificação do mal, tem de ser combatido e deposto, existindo apenas como mero figurante num espectáculo em que o Narcisista Nação é a  figura principal de um jogo de poder viciado desde o início. Assim as Nações justificam os seus feitos.

 

A glorificação narcisista das conquistas, exalta os seus heróis, muitas vezes com pés de barro e simultaneamente cria uma espécie de amnésia colectiva relativamente às barbaridades cometidas e outros feitos menos dignificantes. Mas quem poderá atirar a primeira pedra?! E esta glorificação narcisista encontra-se plasmada em Mitos, Cânticos, poemas onde o “carniceiro” matador é transformado em herói, louvado e amado. Do outro lado, o inimigo, a personificação do mal destituído de toda a humanidade, o mero figurante, a penumbra. E a História tem-nos mostrando tantas vezes este quadro!

 

A Nação Portuguesa não é excepção, ora glorificando-se narcisisticamente com os seus feitos e conquistas, ora anulando-se e subjugando-se a outras potências, carpindo as suas mágoas pela perda do Império, como a criança que perde o seu brinquedo favorito, num lamento voltado para dentro de si numa atitude igualmente narcisista mas de sinal negativo, como se toda a fatalidade estivesse contida em si e gerando um pessimismo Nacional tão característico dos portugueses (a frequência com que os portugueses dizem mal de si mesmos é desconcertante!). Em suma, ora a glorificação, ora a lamentação de todo o mal que recaiu sobre a Nação, as duas faces da mesma “moeda”: a insustentável impertinência do Narcisismo.

 

(1)  Solipsismo doutrina filosófica que afirma que todo a realidade é um produto, ou uma construção do sujeito e como tal nada existe fora dele.

 

(2) Exemplo disso foram as teorias surgidas nos séculos XIX e XX que visavam fundamentar as conquistas e o domínio sobre outros povos pelos Impérios emergentes.

 

Texto original de Pimenta