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sexta-feira, 21 de janeiro de 2022




 

Sabe o que é a meditação e para que serve?

 

Algumas pessoas julgam que meditar é pensar profundamente sobre algum assunto. Também poderá ser, mas o termo em geral é usado para designar uma prática usada, por exemplo, em algumas religiões como o budismo ou certas correntes da psicologia como forma de terapia no seu sentido mais amplo possível. Neste caso meditar não envolve a preocupação de pensar em algo profundamente, mas não pensar de todo, ou seja, esvaziar a mente de pensamentos, criar o vazio tornando a mente imperturbável e serena. Esta é com certeza uma tarefa difícil pois somos constantemente bombardeados por pensamentos de toda a espécie a toda a hora e a todo o momento, grande parte das vezes sem tomarmos consciência disso.

 

Convido o leitor a fazer aqui uma pausa para tentar esvaziar a sua mente por apenas um minuto, ou seja, não pensar em nada.

 

(...)

 

Difícil não é? Pois a nossa mente está num estado de burburinho constante e que não é fácil fazer calar, sendo assaltada por preocupações a todo o momento.

 

Várias são as práticas meditativas que se dedicam a fazer calar este burburinho constante criado pela nossa mente e várias são também as técnicas usadas, mas nem todas envolvem ficar sentado(a) imóvel durante longo tempo de pernas cruzadas e com as mãos sobre o regaço. Por exemplo o tai chi é uma meditação em movimento e a  prática do tiro ao arco no budismo Zen tem também a componente meditativa. Na verdade, podemos meditar enquanto executamos qualquer tarefa e até é desejável que o façamos.

 

“A meditação é simplesmente um estado natural de quietude no qual todas as coisas que normalmente são reprimidas, se veem autorizadas a vir à superfície”.

Renée Weber, Dialogue avec des scientifiques et des sages, La quête de l’unité (traduit de l’américain par Paul Couturiau), Editions du Rocher, Chapitre 3 – De la matière et de maya, pág.108 – tradução para português da versão francesa


 

Mas para quê esvaziar a mente e entrar num estado de vazio?

 

Antes de mais é necessário compreender a verdadeira natureza do nosso “eu”. 

O “eu” é uma construção (transitória) que se começa a formar desde que nascemos, sob influência do meio familiar, não esquecendo também a herança genética e posteriormente sob influência do meio sócio/cultural em que se nasce, incluindo a própria língua que falamos que é outra condicionante na forma como percebemos e encaramos a realidade.

 

Em resumo, o “eu” é construído como peças flexíveis que se interlaçam umas nas outras e vai-se modificando ao longo dos anos, mas sem perder um sentido de unidade e coerência, correspondendo cada uma dessas peças às condicionantes familiares, sócio/culturais e linguísticas como foi anteriormente referido. O que faz este “eu” um ser único é a forma como são dispostas, ou interlaçadas, todas as “peças”. Posto isto poder-se-á dizer que o “eu” é um conjunto de informações condensadas de forma única em cada indivíduo, sendo o causador do ruido constante na nossa mente, a corrente de pensamentos incessante e que temos dificuldade em controlar.

 

É neste ponto preciso que intervém a meditação através de práticas e técnicas várias. Em primeiro lugar procura esvaziar e serenar a mente despojando-a do redemoinho constante de pensamentos e preocupações que também afectam seriamente a nossa saúde, para assim poder entrar em contacto com a instância que permanece para além do “eu” transitório e a que Carl Gustav Jung deu o nome de o “em Si” (self), o mestre que nos guia, o centro da nossa psique e de onde emana todo o potencial energético de que ela dispõe. A Psicologia Transpessoal designa esta instância transpessoal (o que está para além da pessoa ou “eu”) por consciência universal, indo talvez um pouco mais longe do que Jung, entrando assim em concordância com as correntes “religiosas” do Budismo das quais recebeu influência.

 

É este esvaziar e serenar a mente o objectivo primeiro da meditação que se pode revestir de técnicas várias e é neste esvaziamento que o “em Si” se pode manifestar de forma livre e espontânea, sem os habituais constrangimentos inerentes ao “eu” apreendidos através do meio familiar e sócio/cultural.

 

Para atingir esta finalidade são usadas determinadas técnicas meditativas ou formas ritualizadas.

 

Ritual

 

Como já vimos é difícil manter a nossa mente vazia, livre de ideias e das habituais preocupações que circulam livremente sem controlo. Ora o ritual é precisamente uma das formas de manter a mente atenta, concentrada, para assim evitar a divagação com o afluxo constante de pensamentos produzidos pelo “eu” transitório.

 

Parece que os orientais perceberam isto melhor do que nós ocidentais que vemos em determinadas formas ritualizadas algo chato e enfadonho (exemplo disso são os Katas no judo!) mas que os orientais, nomeadamente os japoneses, aplicam em algumas actividades do dia a dia sob influência do Budismo Zen. Exemplo disso é a cerimónia do chá, os arranjos florais, o Zen no tiro ao arco, cujo objectivo é a superação do “eu” transitório para que o “em Si” se manifeste de forma livre e espontânea, amplificando assim o nível da  consciência e procurando atingir o plano de consciência Universal, da Unidade, do Todo. O “em Si”, como tal é permanente e inviolável, a verdadeira raiz do ser humano, ao contrário do “eu” transitório, uma construção que muito provavelmente se dilui após a morte (ou ficará apenas algures como um registo informático). É a máscara que usamos diariamente para representarmos o nosso papel no mundo.

 

Em suma, o ritual ajuda o praticante a manter-se conectado com o “em Si”. Um pequeno deslize no ritual significa que por momentos a mente divagou, desconectou-se e deixou-se levar para fora do “em Si”. Por outro lado, o ritual que é executado mecanicamente perde todo o significado mesmo se os gestos e os actos são feitos no seguimento mais estrito das regras. Assim a palavra chave é o vazio, a mente serena e desperta mas não activa (torrente de pensamentos). E quando atingido este estado mental a acção surge de forma espontânea e totalmente eficaz. É dentro desta perspectiva que se deve entender a cerimónia do chá, os arranjos florais, o Zen no tiro ao Arco, mas também os Katas no judo, tão mal compreendidos pelos praticantes ocidentais.

 

No entanto o ritual, como tantas outras coisas, pode desvirtuar-se convertendo-se num emaranhado de gestos protocolares, uma “teia de aranha” que em vez de proporcionar a libertação aprisiona o indivíduo à sua teia, perdendo assim o seu propósito.

 

No estado da mente vazia e serena a consciência amplifica-se, todos os constrangimentos e barreiras socio/culturais que se impõem ao ”eu” desfazem-se, tornando a mente livre e ilimitada adquirindo assim a sensação da totalidade e conduzindo o indivíduo à experiência do ilimitado, do Universal, do Uno.

 

É por esta razão que os mestres Zen recusam um ensinamento formal através da linguagem, falada ou escrita, pois esta é uma forma fragmentada de transmissão de conhecimento. Sendo uma representação da realidade não a mostra tal e qual, ou seja, é conceptual e limitada, pois ao atribuir um nome a todas as coisas perde a noção do conjunto, do Todo e sendo um veículo ou um intermediário entre o que conhece (sujeito) e aquilo que é conhecido, interpõe-se como um terceiro elemento interpretando a realidade. Por exemplo, um mesmo texto pode ter interpretações diferentes, ainda que ligeiras.  

 

Daí a frase atribuída a Chuan Tse, um taoista que viveu pouco depois de Confúcio: “Quem sabe, não fala, quem fala, não sabe. E por isso os homens sábios praticam o ensino sem falar.”

 

É óbvio que segundo este princípio só posso concluir que eu nada sei!

 

 

 

Para quem esteja interessado em aprofundar os temas aqui abordados, eis alguns livros:

C.G. Jung, O eu e o Inconsciente, edição Vozes (edição brasileira);

Eugen Herrigel, O Zen na arte do Tito ao Arco;

Stanislav Grof, A Psicologia do Futuro, Via Óptima (sobre psicologia Transpessoal) 

Alan Watts, O budismo Zen

 

Texto original de Pimenta