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domingo, 19 de setembro de 2021


 

Será o Universo uma “Sinfonia Musical”?

2ª Parte

Caso não tenha lido a primeira parte deste artigo, clique no link:

https://blogdapimenta11.blogspot.com/search/label/Universo%20Musical%20-%201%C2%AA

 

 

A Harmonia Musical na Arquitectura

 

A tentativa de recriar a harmonia Cósmica e a noção de intervalo harmónico presidida pelo número, não fazia parte apenas da música, estava também presente naquilo que se passou a chamar Arquitectura Sagrada, (não confundir com arte sacra!) onde muito provavelmente as tradições egípcias terão tido uma grande influência pelas razões anteriormente expostas.

 

“O templo grego constitui uma verdadeira música petrificada e Georgíades pôde, pelo estudo dos intervalos que separam as colunas do Partenon e os Propileus, encontrar números rigorosamente proporcionais à escala pitagórica. Semelhantes tradições de harmonias arquitecturais, com as habilidades que comportavam para construir poliedros regulares ou figuras repletas de simbolismo esotérico, como o hexágono, a rosácea, o pentagrama, transmitiram-se dos Pitagóricos aos construtores de catedrais da Idade Média.” Jean Brun, op. cit., pág. 34

 

Foi assim que surgiram os “maçons”, palavra francesa que significa pedreiro, chamados “pedreiros livres” e que construíram várias catedrais e mosteiros. Em Portugal são disso exemplo o Mosteiro da Batalha, o Mosteiro dos Jerónimos entre outros.

 

A arquitectura contemporânea e as artes de uma forma geral, parece terem perdido este elo com a harmonia Cósmica, tirando as devidas excepções, se é que as há. Actualmente vemos construções “cinzentas”; onde predominam as linhas rectas, elevadas a grandes obras de arquitectura. Olhando para um mosteiro da Batalha, por exemplo e para estas “obras” de arquitectura contemporânea, logo pressentimos a grande diferença.

 

 

A Música das Esferas ao longo do tempo

 

1.    A época medieval

 

Na época medieval procurou-se uma reconciliação entre a doutrina cristã e o conhecimento da Filosofia Antiga, nomeadamente em relação à Música das Esferas. Nesse sentido os nomes dos conceitos e entidades pagãs foram transformados em cristãos. Assim a palavra grega Logos (discurso, relato, razão, definição, faculdade racional, proporção) da qual deriva a palavra lógica, é transformada em Palavra de Deus (Logos Divino). As inteligências celestes (cósmicas) de Aristóteles com ligação às esferas celestes, são transformadas em anjos cristãos com a sua hierarquia correspondente, os seus deveres, etc.

 A música e a palavra cantada tornam-se o meio de contacto com  Deus, surgindo assim a Música Sacra, como por exemplo os cânticos gregorianos. Compositores posteriores, desde o Renascimento, passando pelo Barroco, o Classicismo e o Romantismo vão compor Música Sacra. 

 

 

2.    A música na Filosofia Hermética do Renascimento

 

O hermetismo caracteriza-se pelo uso da Magia Natural, na qual se inclui a Alquimia. Ora sendo a magia uma acção que se faz sentir à distância, pode dizer-se que hoje vivemos rodeados dela: os sistemas wireless que ligam aparelhos sem fios fazendo-os conectar à distância, os telemóveis que se ligam entre si através de números!

 

Com o ressurgimento do Hermetismo de forte pendor pagão, muito provavelmente também influenciado pelas correntes de pensamento egípcias que foram transmitidas aos árabes e destes aos ocidentais, esta procura da Harmonia Cósmica reflecte-se também na pintura, ainda que travestida dos princípios cristãos, como se pode observar nas gravuras de Francisco de Holanda “Os dias da Criação” (ver artigo anterior) com forte componente pitagórico e reflectindo a tradição hermética que então se fazia sentir naquela época, séc. XVI.

 

“Não obstante, há uma congruência essencial entre a alma humana e o espírito cósmico, que é a base de toda a magia simpatética. A arte da magia é descobrir que substâncias e acções promovem e canalizam a influência do espírito cósmico.”  tradução do livro de Jamie James, “The Music of Spheres”, Paperbound edition, Copernicus,1995, pág.120

 

Para Marcilio Ficcino que era um fervoroso adepto da magia simpatética baseada na correspondência entre macrocosmos e microcosmos, o método preferido de “chamar” o espírito cósmico parecia ser a música:

 

“A música astrológica de Ficcino era solidamente baseada na noção Boécia de congruência essencial entre a música das esferas, musica mundana, a música do organismo humano, musica humana e a música produzida pelos instrumentos musicais, musica instrumentalis.” Jamie James, op.cit., pág.121

 

Para Pico della Mirandola (séc. XV) nada havia mais eficiente do que os hinos de Orfeu inseridos na música apropriada para o efeito da magia natural.

 

    O templo da Música de Robert Fluud


Robert Fuldd, médico seguidor de Paracelso, astrólogo, matemático e cosmólogo inglês que viveu na época de Isabel l, séc. XVI, acreditava no poder da palavra sagrada para a cura, a oração, o que provavelmente derivava da Cabala judaica (e quem sabe, do orfismo). Daí ele considerar que a pronúncia do nome de Jesus em hebraico tinha um potencial de cura mais forte.

 

Sendo a palavra um som, uma vibração emitida num determinado comprimento de onda e se de acordo com o pitagorismo existe uma ressonância harmónica entre a alma e o corpo, compreende-se assim esta ideia da influência da palavra sobre organismo humano.

 

Pertencendo a sociedades secretas como os Rosa Cruz e a Maçonaria dedicou-se à arte da memória, uma vez que estas sociedades secretas não deixavam nada escrito e os seus ensinamentos tinham de ser memorizados pelos seus membros que não os podiam transmitir a não adeptos. Assim, Robert Fluud fez ilustrações para as suas obras, os palácios da memória que, servindo de mnemónica, facilitavam deste modo a memorização de vastos volumes de ensinamentos secretos pelos adeptos. Uma destas ilustrações é O Templo da Música (ver imagem em cima).

 

Fluud afirmava haver uma harmonia e congruência entre macrocosmo e microcosmos, ou seja, entre o Universo e o ser humano. A sua principal metáfora onde exprimiu esta ideia é a ilustração que se segue da sua obra, “A História do Macrocosmos”:

 

 O Divino Monocórdio



Johannes Kepler, astrónomo, matemático, astrólogo e um entusiasta da magia natural, acreditava na existência da música das esferas sendo a sua grandiosa obra “A Harmonia do Universo” o supremo tratado sobre o tema! Apesar da componente pitagórica e platónica que lhe subjaz, em que o Universo é regulado por um esquema musical perfeito e consequentemente matemático, Kepler concebe a harmonia musical cósmica como sendo polifónica, o que era uma concepção inovadora! A polifonia era desconhecida dos clássicos.

 

Newton, também ele um grande adepto da magia natural e da alquimia em particular, estabelece uma relação entre as sete cores resultantes da decomposição da luz branca através de um prisma, a sua grande descoberta, com as sete notas principais da escala musical.

 

Curiosamente, esta imagem da decomposição da luz branca por um prisma foi usada em toda a capa de um dos mais brilhantes álbuns de que há memória na música contemporânea pop/rock, The Dark Side of the Moon dos Pink Floyd e também um dos mais enigmáticos álbuns jamais produzidos, enquadrando-se no rock progressivo e sinfónico. Será que os Pink Floyd consciente ou inconscientemente tentavam reproduzir a Harmonia Cósmica? No entanto há uma provável falha de impressão (ou de atenção?!) na capa de referido álbum, pois falta uma cor na decomposição da luz pelo prisma, o anil, entre o azul clarinho e o violeta, aparecendo por isso apenas seis cores em vez das sete.

 


Uma outra nota curiosa é que nos anos 60/70 em Inglaterra era habitual os músicos serem provenientes das outras artes como por exemplo da arquitectura, sendo o caso de Roger Waters dos Pink Floyd que estudou arquitectura no Regent Street Poly em Londres.


Fim da Segunda Parte! 

Texto original de Pimenta 


Continua na próxima semana com os sub-temas: Da Música Barroca à Música Contemporânea  e ainda A Física Quântica e a teoria de cordas (a sua relação com a música das esferas). 

Para ver a terceira parte clicar em:

https://blogdapimenta11.blogspot.com/search/label/Universo%20Musical%20-%203%C2%BA

 

 

 


 

 


 

 

 

 


 

 


 


 

 




sexta-feira, 10 de setembro de 2021


Será o Universo uma “Sinfonia Musical”?

1ª Parte 


A música das esferas

 


Desde a antiguidade clássica acreditava-se que o Universo era composto por esferas celestes sendo estas, no seu movimento circular, que levavam consigo os sete planetas até então conhecidos e consequentemente sendo a causa do movimento destes. Estas esferas no seu movimento circular produziam sons musicais, inaudíveis para ouvido humano, tendo ficado conhecida esta “sinfonia celeste” pela música das esferas. E esta música representava a harmonia divina, ou seja, as “justas proporções musicais”, a harmonia consonante. E deve-se a Pitágoras ter descoberto este princípio de proporcionalidade musical, ou seja, a relação aritmética entre os intervalos harmónicos (dó/mi, mi/sol, sol/si) sendo esta a sua maior contribuição para a teoria musical que hoje conhecemos.  Assim música e matemática estavam intimamente ligadas e o cosmos representava em grande escala essa ligação. 


 

 

As Esferas Celeste com a Terra ao centro


 


 

Mas quem era Pitágoras?

 

Há duas posições principais relativamente a esta personagem obscura que nada deixou escrito e da qual apenas sabemos alguma coisa quer através de fontes escritas posteriores à sua morte quer através de tradição oral que também terá sido transmitida a essas fontes. Uma posição, a ortodoxa que fechada sobre a sua quadratura tende a ignorar o lado místico/mágico do pitagorismo, pois aquilo que não consegue compreender tende a ignorar e a menosprezar, tal como a raposa e as uvas da fábula bem conhecida. No outro extremo temos correntes “new age” dedicadas ao espiritualismo onde tudo entra sem qualquer filtro de objectividade e de bom senso, fazendo de meras suposições verdades absolutas e que são transmitidas a incautos ouvintes também eles muitas vezes destituídos dos necessários filtros da objectividade e espírito crítico.

 

Em resumo, tudo o que se sabe acerca da personagem de Pitágoras não são verdades absolutas mas possibilidades baseadas nas várias fontes a partir das quais se verifica o que há de comum entre elas.

 

Pitágoras é mais conhecido pelo teorema que leva o seu nome, no entanto é bem provável que o dito teorema já fosse do conhecimento de povos mais antigos nomeadamente dos egípcios que o utilizariam nas suas grandiosas construções.

 

Pitágoras nasceu em Samos, uma ilha grega no mar Egeu, pelo ano de 500 a.C., mais de 100 anos antes de Platão. Segundo a tradição terá viajado para o Egipto onde estudou com sacerdotes, o que é verossímil dado o facto de o Egipto representar na altura o grande polo de sabedoria e para onde era frequente os pensadores gregos viajarem para adquirirem mais conhecimentos. Mais tarde fundou uma escola com características de seita religiosa em Crotona, sul da Itália, onde as mulheres eram admitidas e para a qual seria exigido um juramento de fidelidade à seita, não podendo os seus membros divulgar os conhecimentos adquiridos e passados oralmente. Daí Pitágoras não ter deixado nada escrito. No entanto Filolau, um membro da seita, terá traído o juramento e terá vendido a Dinis de Siracusa ou a Dione, três livros contendo a doutrina esotérica dos pitagóricos e terão sido estes livros que chegaram às mãos de Platão tendo exercido grande influência neste filósofo, em particular na sua obra mais tardia o Timeu, na qual aparece a história do continente desaparecido, a Atlântida.

 

 

Os números para os pitagóricos

 

Para os pitagóricos tudo é número, só que os números não têm um valor meramente quantitativo como para nós hoje que vivemos submersos pelos valores das estatísticas, como por exemplo, dos recordes, o indivíduo que consegue comer mais pizas por minuto, do maior número de vendas, etc. Os números pitagóricos nascem da unidade do número um, ou seja, representam a divisão dessa unidade primordial que é representada pelo número um, tendo um valor essencialmente qualitativo e sendo a representação de formas geométricas e de intervalos harmónicos: “A harmonia sensível é a que se faz sentir pelos instrumentos, a harmonia inteligível, a que consiste nos números.” Jean Brun, Os Pré-Socráticos, Biblioteca Básica de Filosofia, Edições 70, pág. 32

 

Os números pitagóricos eram representados por pontos sendo um ponto a unidade, o número um, dois pontos o desdobramento da unidade, dois pontos, o três a soma de dois mais um, três pontos, o quatro a soma do três com a unidade, quatro pontos, formando assim a tetrakis sagrada para os pitagóricos:

 

 

o

o       o

o       o       o

o       o       o       o

 

 


A música para os pitagóricos

 

 

Os pitagóricos consideravam haver três tipos de música:

-  A música instrumental produzida pelos instrumentos musicais como a lira e a flauta;

- A música humana produzida pelo organismo humano, ou seja, a sua ressonância harmónica entre a alma e o corpo e que seria inaudível ao ouvido humano, ou a ressonância desarmónica no caso de doença por exemplo.

- A Música do Cosmos ou seja, a que era produzida pelo movimento das esferas celestes que transportavam os planetas e o sol no seu deslocamento.

 

A música era harmonia e a harmonia do Cosmos era representada pela proporcionalidade dos números pitagóricos: ...” a harmonia é a proporção que une, em qualquer domínio, os elementos em discórdia. Encontra-se naturalmente na música, onde as noções de consonância e dissonância ocupam um papel de relevo. Além disso a música encerra uma aritmética oculta que os Pitagóricos se empenham em fazer surgir, sublinhando o papel essencial desempenhado pelo número e pela proporção.” Jean Brun, op.cit., pág.32.

 

Assim podemos considerara que as notas musicais para os pitagóricos eram a representação audível dos números o que não está longe da realidade, pois hoje em dia sabemos que cada nota e cada tom tem uma frequência bem definida e que pode ser medida por instrumentos. Os afinadores de instrumentos musicais, disponíveis online, medem com precisão a frequência de onda das notas musicais (ondas hertzianas).

 

‘Segundo a doutrina de Pitágoras, sendo o mundo ordenado harmonicamente, os corpos celestes, que estão distanciados dois a dois segundo as proporções dos sons consonantes, produzem, pelo seu movimento e pela velocidade da sua revolução, os sons harmónicos correspondentes.’ Tião de Esmirna, in Jean Brun op. cit., pág. 33

 

“O mundo é como uma lira de sete cordas. Deste modo, para os Pitagóricos, a escala é um problema cósmico e a astronomia uma teoria da música celeste.” Jean Bruno op. cit. pág.33

 

Compreende-se desta forma a importância que a música adquiria para os pitagóricos e posteriormente também para Platão, que consideravam que a harmonia sensível era a que se fazia sentir pelos instrumentos e a inteligível a que se exprimia pelos números. No entanto, nunca saberemos se estas doutrinas pitagóricas foram influenciadas pelo orfismo, seita que tem a sua origem no poeta da época arcaica Orfeu cujo canto, segundo a tradição, exercia um poder sobre as forças da natureza e ficando assim associado ao xamanismo, ou se, pelo contrário, foi o pitagorismo que influenciou o orfismo.

Fim da Primeira Parte! 

 

Texto original de Pimenta

Para aceder à segunda parte deste artigo clique no link: 

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