Será que a História que
nos ensinam se passou exactamente como nos foi contada?
4ª Parte
Os Esquecimentos da História:
1. Francisco de Holanda
2º dia da Criação, da
obra de Francisco de Holanda
"De
Aetatibus Mundi Imagines” ou "As imagens da
Criação do Mundo"
Francisco de Holanda, humanista, escritor,
arquitecto, escultor, desenhador, iluminador, pintor e muito provavelmente um
hermetista, a avaliar pelos seus desenhos em “ De Aetatibus Mundi Imagines” ou “As
imagens da Criação do Mundo”, é o exemplo flagrante
de personagem que esteve sempre muito à frente da sua época, um talento muito
para além dos limites e que foi esquecido quer no seu país, Portugal, como no
estrangeiro, até ser “redescoberto” cerca de 400 anos depois da sua morte,
redescoberta essa que se deve tanto a investigadores portugueses como
estrangeiros, sendo o caso de Syvie Deswarte-Rosa, investigadora da História da
Arte no Centre de Recherche Scientifique
de Lyon que dedicou cerca de 40 anos à investigação da obra de Francisco de
Holanda.
Francisco de Holanda nasceu em pleno Renascimento a 6 de Setembro de 1517, em Lisboa. Filho
de um retratista e iluminador que se julga ser proveniente dos Países Baixos,
terá dado os primeiros passos da sua aprendizagem na arte pelo pela mão do pai,
António de Holanda. Aos 16 anos vai viver para a corte que então se tinha
mudado para Évora, tendo aí recebido uma formação com os melhores humanistas desse
tempo, como André de Resende e outros humanistas, alguns deles estrangeiros que
aí se encontravam.
Vivia-se tempos de grande abertura de espírito, de grandes
transformações estruturais proporcionadas pelo Renascimento, pela corrente
Humanista que então se vinha impondo, mas também pela abertura ao mundo
propiciada pelos Descobrimentos dos portugueses que abriram as “portas” ao
conhecimento de povos diversos, com diferentes culturas e modos de vida. Esta
influência dos Descobrimentos Portugueses na cultura do mundo ocidental, não
foi devidamente reconhecida internacionalmente e quem o afirma é Sylvie
Deswarde-Rosa: “Não se deu o justo valor à História de Portugal... Não nos
demos conta de que Portugal não estava na cauda da Europa mas à cabeça, pelo
menos no domínio da Expansão Marítima e dos estudos científicos e
cartográficos” in programa da RTP 2, Francisco de Holanda, a Luz esquecida
do Renascimento
Em Janeiro de 1538, com 20 anos de idade, Francisco de Holanda parte
para Roma onde entra no círculo cultural dessa cidade, tendo conhecido e
contactado com Miguel Ângelo. Regressa à corte de D. João III, cerca de três
depois, onde é promovida a escudeiro fidalgo. Este será o seu período áureo que
declinará com a subida ao trono do rei D. Sebastião que não lhe dá o devido
valor e se inicia o processo inverso ao de abertura que então se tinha vindo a
realizar, para dar lugar a um período “obscurantista” onde a Inquisição lança
de forma mais violenta as suas “garras” contra tudo o que não esteja de acordo
com as “verdades” impostas pela igreja Católica, tendo-se então iniciado aquilo
que ficou conhecido pela Contra-Reforma.
Um homem fora do seu tempo e um
inovador ousado
"De
Aetatibus Mundi Imagines” ou "As imagens da
Criação do Mundo"
Francisco de Holanda foi um inovador, um
ser original do qual não há paralelo no seu tempo. As suas ilustrações, como
por exemplo as Imagens anteriormente referidas do livro manuscrito “De Aetatibus
Mundi Imagines” as “Imagens da Criação do Mundo” são desconcertantes, estando
completamente fora do seu tempo! Plenas de simbolismo, remetem-nos para o
pensamento da Filosofia Hermética, profundamente animista, que eclodiu pelo séc.
XV (ou ressuscitava!) dentro de um círculo
talvez mais restrito do qual faziam parte nomes como Marsillio Ficino, Giordano
Bruno, entre outros.
Foi a primeira pessoa da sua época a tentar elevar a pintura ao nível da
literatura (o “Tratado de Pintura Antiga” é a sua primeira grande obra escrita)
então tida como a forma de arte intelectual por excelência, uma vez que nesse tempo
tudo aquilo que implicasse trabalho manual era desvalorizado. Sendo a pintura
uma arte manual esta não detinha o mesmo estatuto da literatura.
Os seus desenhos são de uma perfeição e minúcia ímpar. Desenha
detalhadamente os monumentos que vê em Roma por exemplo, chegando ao pormenor
de incluir as inscrições completas de alguns desses monumentos o que não era habitual
na altura. Ex: “Livro das Antigualhas”.
Por isso quando há necessidade de proceder a restauros dos monumentos que
Francisco desenhou, utiliza-se os seus desenhos para que o restauro seja tão
fiel quanto possível ao original.
Ele também
desenhou elementos detalhados da moda com a respectiva referência às zonas geográficas
onde eram usados determinados costumes no que agora é a Itália.
Francisco de Holanda teve a ousadia de
dizer aquilo que Miguel Ângelo tinha referido de uma forma muito menos directa
e clara: “o artista começa por comtemplar a perfeita ideia divina”. Sendo o
artista inspirado por Deus no momento da produção da sua arte, imitando a
criação divina, então o artista identificava-se com uma espécie de demiurgo.
Esta era com certeza uma ideia perigosa para a época, pois se o artista entrava
em contacto directo com Deus sendo por Ele inspirado, então para que servia a
Igreja e seus representantes, bispos, padres etc., enquanto intermediários entre
Deus e os seres humanos?
Seria muito interessante estudar e analisar em pormenor o simbolismo dos
seus desenhos da obra que referi anteriormente, “De Aetatibus Mundi Imagines”, para
melhor compreendermos o seu autor em toda a sua extensão, sem os preconceitos
que muitas vezes acompanham os estudiosos académicos. Ou será uma certa ignorância?
A RTP 2, a única estação
televisiva que não se dedica à estupidificação das massas, emitiu um excelente programa
dedicado a este ilustre personagem que foi Francisco de Holanda. Para quem
esteja interessado eis o link de acesso:
https://www.rtp.pt/play/p7665/francisco-de-holanda-a-luz-esquecida-do-renascimento
2. A influência do Neo-Confucionismo no Iluminismo Europeu
Introdução ao confucionismo
Confúcio, como é conhecido no Ocidente, terá vivido entre 551 a.C. e 479
a. C. Não deixou nada escrito, tal como Pitágoras e Sócrates e os textos mais
antigos que sobre ele se conhece, em forma de diálogos, “Conversações de Confúcio”,
são muito posteriores à sua morte e escritos pelos seus discípulos ou pelos
discípulos dos discípulos. Daí que falar de confucionismo não seja falar “ipsis
verbis” do pensamento de Confúcio, mas sim do pensamento dos seus discípulos
influenciado pelo mestre.
De acordo com aquilo que se sabe sobre a sua vida, Confúcio não terá
formado uma escola propriamente dita, mas reuniu junto de si discípulos de
todas as origens sociais que o terão acompanhado e que dele receberam
ensinamentos. A Escola Confucionista surgiu posteriormente pela mão dos seus
discípulos.
O confucionismo caracteriza-se por ser uma doutrina essencialmente Ética
e, poder-se-á dizer, Política, cujo objectivo era tornar os homens moralmente
superiores, ou seja, pessoas moralmente íntegras e isto estendia-se ao soberano
que, de acordo com Confúcio, deveria ser o representante máximo dessa
integridade para que assim o povo pudesse seguir as suas pisadas e se deixasse
governar sem opor obstáculos. A rectidão por ele preconizada, a benevolência,
eram algo inato no ser humano mas que deveria ser “treinada” para se almejar
chegar ao “ser superior”. Era este o Dao ou Tao confuciano, que se traduz
literalmente por “caminho”, ou seja, o sentido, a direcção a tomar.
Confúcio foi o grande educador da China cujo objectivo era tornar a
educação acessível a todos!
A palavra Jun-zi, que originalmente significava “filho de soberano” e
posteriormente adquiriu o significado de “descendente de família nobre”
torna-se para o Confúcio o Homem de Bem independentemente da classe social a
que possa pertencer, ou seja o homem recto moralmente íntegro. Deste modo
poder-se-á considerar a filosofia confuciana como um humanismo, sendo a sua Ética
baseada essencialmente nos valores humanos como a benevolência e a rectidão, o
que está muito próximo do pensamento do Iluminista Jean Jaques Rosseau (ou
vice-versa!) que defendia uma educação muito próxima da natureza baseada na
liberdade e na igualdade dos homens e considerava que a bondade era algo
inerente ao ser humano, mas que a civilização teria deformado, ou corrompido.
“A ênfase de Confúcio no estudo e na aprendizagem está na origem da
promoção e da meritocracia na China, que fez com que surgisse na China uma
classe de letrados que se pode dizer que governou a China até aos dias de hoje.
A China foi a primeira nação a nomear funcionários públicos com base no
mérito.” in “Chuang Tse”, Relógio
D’Água Editores, Novembro de 2017, pág.295
O
neo-confucionismo
Zhu Xi
No séc. XII o confucionismo sofre uma renovação importante sob a
influência do taoismo, doutrina anterior ao confucionismo cujo livro mais
conhecido é o Tao Te King atribuído a Lao-Tsé e do Budismo Chen, mais conhecido
pela designação de Budismo Zen no Japão. Assim surge o neo-confucionismo cujo
principal representante Zhu Xi (1130-1200), procurou reinterpretar o
confucionismo através de uma visão interpenetrada pelas correntes de pensamento
citadas: o taoismo e o budismo chen.
“Foi este confucionismo ‘revisto e corrigido’ que foi levado ao
conhecimento dos missionários jesuítas na China a partir do séc. XVI e que por
intermédio deles, exerceu uma considerável influência, ainda que pouco
conhecida, na Europa das Luzes. Leibniz e Wolff, na Alemanha, Quesnay,
Voltaire, Montesquieu e Turgot, em França, Robert Burton e Oliver Goldsmith, em
Inglaterra, interessaram-se mais ou menos de perto e de maneira mais ou menos
positiva pela arte de governar no ‘Império da China’. Encontraram aí a ideia de
uma educação baseada no mérito, sem distinção de categoria ou de linhagem, e
tendendo para a realização do bem-estar do povo” in Conversações de
Confúcio, Editorial Estampa, pág.27
É sabido que os missionários jesuítas que estiveram na China e também no
Japão, traduziram para as línguas ocidentais muitos dos clássicos chineses para
além das doutrinas neo-confucionistas. É disso exemplo o clássico chinês “I
Ching, o livro das mutações”, pelo qual se interessou Leibniz que estudou este
texto clássico chinês traduzido pelos missionários jesuítas, bem como a obra
traduzida pelos mesmos “Confucius Sinarum Philosophus” (Confúcio Filósofo
chinês).
Como curiosidade saliente-se o grande interesse que Leibniz demonstrou pelo
clássico chinês “I Ching, o livro das mutações”, pela sua importância para a
aritmética binária (o I Ching é de facto um sistema binário que usa uma linha recta e outra interrompida no meio: __ _ _ ).
Considerações
finais
A razão pela qual se deram estes “esquecimentos” da História ocidental nomeadamente
a influência de outras culturas no ocidente, como a chinesa, teve origem numa atitude
impregnada de arrogância e um certo sentido de superioridade que tem
caracterizado a cultura ocidental e que teve o seu apogeu na época dos grandes
Impérios, o Imperialismo Europeu dos séculos
XIX e XX cuja ideologia assentava sobre uma superioridade racial, nomeadamente
a anglo-saxónica, que incluía a Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha e que teve
o seu apogeu na ideologia Nazi. Por esta razão a influência das
culturas não ocidentais na Europa ou de países menores como o caso de Portugal, eram desvalorizadas
ou menosprezadas.
“Na Grã-Bertanha o imperialismo esteve também, de princípio, ligado a um
ponto de vista ideológico que ultrapassava o simples patriotismo insular e colocava
a solidariedade e a unidade da raça anglo-saxónica no mundo acima do poder do
Reino Unido como Estado. (...)
(...)Cecil Rhodes, por exemplo, ao fazer à Universidade de Oxford a sua famosa
dotação não só concedia bolsas de estudo aos ingleses do ultramar como oferecia
lugares a americanos e alemães, os quais foram efectivamente atribuídos. Neste
tempo, tanto em Inglaterra como fora dela, existia a convicção de que os
ingleses, os norte-americanos e (pelo menos a partir de 1870) os alemães eram
as “raças” superiores dos séculos XIX e XX e as nações dirigentes do futuro.” Heinz Gollwitzer, “O Imperialismo Europeu 1880-1914”,
Editorial Verbo, Lisboa, páginas 54 e 55
Porém estas “raças superiores” esqueceram-se de que as grandes civilizações
do mundo nasceram no Mediterrâneo, no Médio Oriente, no Extremo Oriente, na América
do Sul, enquanto por essa altura os seus antepassados andavam de “tanga” vivendo
de forma muito primitiva.
Texto original de Pimenta